Capítulo 5 - Novos odores, decotes e escarros.
"Olhos de dragão!". Assim acordou Davi, assustado com aqueles olhos tão perto dele. Ele sentiu um medo tão forte que acordou tremendo e com seus pelos arrepiados. Ele ficou um tempo pensando consigo mesmo "O que era aquilo? Quem teria olhos como aqueles? Será realmente um dragão?". Mais e mais perguntas sem respostas surgiram em sua mente, mas não por muito tempo. Poucos minutos depois entra seu tio no quarto, com um balde de água fria na mão esquerda.
– Uai! Tá acordado?
– Não! Sou sonâmbulo! - retrucou Davi. Samuel ajeitou seu inseparável óculos escuros e jogou a água fria em Davi. - Mas eu já estava acordado!
– Poxa... Pensei que você era sonâmbulo... - Samuel gargalhou - Levanta logo, temos que fazer a sua barba.
– Ah sério? - Davi parou e lembrou, que no dia anterior havia se transformado, e quando se volta ao normal depois de se transformar os pelos e cabelos ficam maiores. Davi se levantou colocou o colchão do lado de fora na casa para não ficar com mofo e foi ao banheiro. Lá o ritual matutino se repetiu, Samuel tirou a barba de Davi e aparou seu cabelo. Quando ele foi cortar a unha de Davi reparou que algo havia mudado, as unhas do garoto estavam negras. Nem o próprio havia percebido isso, era comum elas ficarem negras enquanto ele estava transformado em Uzi, mas na forma humana elas voltavam a cor natural.
– Uhn... Temos um problema, eu já tive aquela conversa com você sobre as mudanças no seu corpo? Essa coisa de puberdade e tal?
– Sim, quando eu tinha 7 anos eu acho. - Os dois riram.
– Tá. Temos duas opções: ou pintamos a sua unha ou você vai ser zoado de emo. Qual você prefere?
– Pintar a unha não faz minha cara, vamos deixar do jeito que está.
Eles terminaram de se arrumar e quando estavam saindo de casa Samuel deu uma jaqueta pro menino, mas essa não tinha nenhuma marca de nenhum clã, era simples e monótona até. Eles saíram da cabana e foram até a oficina que ficava na beira da estrada. Lá Samuel abriu a garagem para pegar sua moto e Davi visualizou Harley Davidson que ele trabalhava lá no fundo, semi coberta por um pano. Samuel pegou a moto, fechou a oficina e foram em direção ao colégio. No portão estava o zelador, parado encarando todos que passavam. Davi se despediu do tio e entrou, tentou não encarar o zelador mas não conseguiu evitar, seus olhos esbugalhados e penetrantes foram direto aos olhos do garoto. Davi abaixou a cabeça e apressou os passos. Entrou no pátio do colégio onde todos conversavam ao mesmo tempo, o que causava um barulho desconfortante para a audição aguçada de Davi. Ele se sentou embaixo da árvore que ficava do outro lado da quadra. "Farejar né? Vamos o que eu consigo achar aqui." ele parou e deu uma fungada no ar, e quando abriu os olhos os odores eram visíveis, ele conseguia diferenciar de onde vinha cada um e o que significava cada cor que cada cheiro tinha. Demorou um tempo para ele sentir algo diferente, no começo havia apenas o cheiro de humanos, quando o zelador apareceu ao longe ele logo sentiu. Era um odor diferente, algo como se fosse cheiro de terra e álcool, diferente do cheiro daqueles licantropos que Davi viu andar na floresta. Normalmente os lobisomens só reconhecem o cheiro de alguma raça ou pessoa depois que já o sentir pelo menos uma vez, mas Davi era diferente, ele tinha o cheiro de todas as raças arquivadas no mais profundo de sua mente. "Coiote!" ele pensou "Esse é o cheiro de um coiote... Eu acho...". Davi se levantou e começou a andar "Logo vai bater o sinal, vamos ver o que mais eu acho por aqui" ele andou e não achou nenhum licantropo entre os alunos. O sinal bateu e a inspetora bonita apareceu "Tupi-guará! Ela também um licantropo? Quero dizer, licantropa? Argh! Nem sei se "licantropo" tem feminino" ela olhou para ele, pois ele estava encarando-a, e começou a reunir as turmas em filas. "Será que ela me viu? Se ela souber eu to ferrado!".
Davi "desativou" seu "super poder de cheirar os outros" e foi para a fila, ele era o aluno mais baixo da sua turma e algumas pessoas caçoavam dele por causa disso. A partir dali o dia foi monótono, aulas chatas, Davi olhando pela janela quase dormindo, o caçoadores da turma fazendo barulho dentro e fora da sala de aula. O intervalo também não teve nada de novo. Davi se sentou longe dos outros. As pessoas passavam e conversavam entre elas: "Por que ele usa óculos escuros? Olha as unhas dele, ele deve ser gótico. Que garoto estranho". Mas Davi não se importava com aquilo e apenas falava em voz baixa - Humanos!
Ele terminou de comer um pão com bife que seu tio fez e foi ao banheiro. Quando chegou havia um casal transando em uma das privadas, Davi fingiu que não viu e foi lavar as mãos. Aquele casal devia ter uns 16 anos. "Humanos, tão novos e já deixam sua carne falar mais alto. E depois os animais que são levados pelo instintos carnais". Davi tinha esse tipo de pensamento. Ele não entendia o porque de tanta pressa, de viver a vida fazendo todas as besteiras possíveis, como se o dia de amanhã fosse o último. Ele saiu do banheiro e deu de cara com Alan, "o valentão".
– Olha só, quem acaba de sair do banheiro! Estava trocando seu absorvente donzela gótica? - ele e suas hienas gargalharam.
– Saiam da minha frente. - Davi falou de forma seca.
– Ficou machinho agora? - Alan pegou na blusa de Davi o encarando. Davi levantou a cabeça e agarrou o pescoço do valentão. Aos poucos foi o levantando pelo pescoço e todos ficaram assustado. O jovem de baixa estatura não aparentava ser muito forte... Não aparentava não ser nada forte na verdade. Os amigos se afastaram e Alan foi levantado o máximo quanto o braço curto dele permitia.
Davi quase perdeu o controle, mas reparou que todos os alunos estavam olhando para ele, muitos deles assustados. Alan de eu soco no rosto de Davi e todos olharam para o óculos que caiu no chão.
– Ficou machinho agora? - Davi olhou para o brutamontes, rindo e olhando diretamente nos olhos dele, que então conseguiu ver seus olhos, um cinza e um vermelho. Medo... Era a única coisa que Alan sentia. O zelador deu um tapa na cabeça de Davi que voltou a si. Largou Alan, que caiu sentado no chão ainda em choque. Tapou os olhos para que ninguém os visse e apalpando o chão pegou seu óculos escuros e colocou.
– Vocês dois, para minha sala! - disse a inspetora, que apareceu na porta do banheiro feminino.
Davi já ia dar seu primeiro passo quando o zelador falou em seu ouvido: "Cuidado com ela, ela é esperta e perigosa. Não se deixe levar pelo seu decote e seus peitões." Davi quis rir mas se segurou, abaixou a cabeça e foi direto para a sala dela. Assim que chegou sentou em uma cadeira de madeira e se acomodou. Viu que além de inspetora ela era coordenadora e vide-diretora da escola, porque não havia ninguém para ocupar esses cargos. Poucos minutos depois Davi escutou gritos do lado de fora da sala. Era a inspetora e mais alguém.
– Entra na sala!
– Não vou entrar, ele está lá dentro. Ele é um demônio ou algo assim! Eu não vou entrar! Me larga! - Aí então Davi percebeu que era Alan falando com uma voz chorosa.
A inspetora entrou na sala com raiva. Alan ficou do lado de fora. Ela se sentou, ajeitou seu cabelo, que se bagunçou enquanto tentava fazer Alan entrar na sala e falou:
– Que merda foi aquela? - "Nossa!" pensou Davi "Que vocabulário magnífico para uma pedagoga".
– Ele me irritou, eu levantei ele pelo pescoço, depois joguei ele no chão vim pra cá. Não é difícil de entender.
– Sarcástico você, não? - "talvez, só nas horas vagas" respondeu mentalmente Davi. - Olha aqui mocinho, você vai tomar essa advertência, que deve ser assinada por seu responsável e traga ela amanhã. Você conseguiu entender isso? - Davi apenas balançou a cabeça de leve e pegou a advertência. - Agora pode sair.
Davi saiu da sala da inspetora e viu o valentão atemorizado, todo encolhido no banco que ficava no corredor. Ele deu um sorriso no canto da boca, mas lá no fundo se sentiu mal por causar aquilo em alguém. Ele saiu pelo corredor e o zelador o parou.
– Um vermelho, como sangue... Garra sangrentas. Um cinza claro, como o luar... Guardiões da lua. Eu já sei quem ou o que você é. Eu achei que era apenas uma lenda, mas é verdade. Você é um vira-lata, não um vira-lata qualquer, mas O vira-lata. Híbrido dos dois clãs de merdinhas pomposos e orgulhosos. - "Ele sabe demais... estou perdido" - Mas me responde uma coisa: Como está aquele velho barrigudo e cachaceiro?
– Que-quem? - Gaguejou Davi.
– Quem? O Samuel, aquele gordo brocha.
– Você conhece meu tio?
– Não só conheço, das cicatrizes que ele tem, umas sete fui eu que fiz. - O zelador soltou um riso rancoroso. Ele não era de sorrir, mas pelo menos escarrou no chão, o que era como uma sorriso... Talvez...
Davi ficou feliz, não estava tão ferrado quanto ele imaginava.
– Então meu segredo está seguro?
– Depende de quanto me pagarem. - mais uma vez ele cuspiu no chão um catarro bastante sólido. - Mas nem todos aqui serão assim, tome mais cuidado. Principalmente com a inspetora, pois acho que você já sabe o porquê. Você entendeu seu mariquinha?
– Sim. - Respondeu o menino mais aliviado.
– Então volta para a sala, já está no tempo. Da próxima vez o meu tapa será mais forte, agora que sei quem você é.
– Sim, sim, muito obrigado ããhhnn... Qual o seu nome mesmo?
– Eu não sou seu amigo moleque! Sou o zelador e assim que todos me chamam, assim que você deve me chamar. Agora sai da minha frente!
– Aahn Então tá. Muito obrigado... zelador. - Antes dele terminar a frase o zelador já estava longe demais. Davi então saiu andando em direção a sala e se sentou. Todos olhavam para ele e cochichavam.
– Ele enfretou o Alan! - Diziam os nerds na frente da sala.
– Ele conseguiu levantar ele pelo pescoço! Você viu? - Conversavam os amigos do Alan.
– Até que ele é bonitinho... - Cochichavam as piriguetes da sala.
Davi conseguia ouvir tudo, e por alguns instantes desejou ter uma audição normal como todos os outros para ter um pouco de paz. A aula acabou e todos, com medo de Davi, não se aproximavam dele. "Já era difícil não chamar a atenção com esses óculos e essas unhas pretas, agora então estou ferrado!". Ele saiu, seu tio já estava no portão da escola.
– E aí? Como foi sua aula hoje?
– Cheia de fortes emoções - brincou Davi sarcasticamente. - Vamos logo tio, ainda quero treinar hoje.
– Você quis dizer apanhar não é? - Samuel riu alto e todos os alunos que estavam na rua olharam para eles. - Seu pedido é uma ordem, "vamsimbora". - Então Samuel ligou a moto de foi em direção ao horizonte da estrada para a floresta.